quarta-feira, 14 de outubro de 2009

"ZÉ GATO - O HUMORISTA VIANENSE"

3 causos

BRIGA DE CACHORROS
José Henrique Nogueira de Carvalho

José Manoel da Silva – Zé Gato – se casou com Aldenora Pinto Silva – Doninha –, jovem prendada, pertencente a família da sociedade local. A residência era simples, porém, espaçosa, onde José se recolhia após o trabalho e se sentia feliz no aconchego do lar. Viana atravessava, todavia, dias de temperatura elevada. As noites eram quentes e a atmosfera, mesmo interna, asfixiava as pessoas. Idosos e crianças respiravam com dificuldade.

Certa madrugada de domingo, a cidade rolava nas redes em busca de um sono reparador, apesar do incômodo do calor abafado. Nas residências rangiam as escápulas ao peso insone das tipóias empurradas com o pé para o embalo refrescante. Lá fora nenhuma ventilação.

Os ramos das árvores e as palmas dos coqueiros, mesmo os mais altos, estavam imóveis sem uma brisa sequer para sacudi-los daquele torpor. Também o casal Doninha/José tentava conciliar o sono, apesar de tudo. A rua deserta parecia temer a escuridão, que já começava a se dissipar, para alegria de toda a natureza, com os rubros raios da aurora a espancar, ainda que timidamente e abaixo da linha do horizonte, o negrume daquela noite mal dormida. Com a promessa do alvorecer, os galos das redondezas entoavam a sinfonia da madrugada – a última para alguns frangotes, cujo destino já lhes reservara a panela para o almoço domingueiro. Acordado ao som daquele coro harmonioso, o dedicado sacristão, qual visagem de paz, cruzava a Praça da Matriz, a iluminar o caminho com seu candeeiro Petromax, e subia as escadas da torre, a fim de badalar a primeira chamada para a missa das cinco.

Eis que, de súbito, irrompe na rua uma barulhenta briga de cachorros, mais excitados, ainda, pela canícula. Zé Gato ficou inquieto com aquele desembesto e começou a esbravejar, na inútil tentativa de apartar, com gritos, os cães briguentos.

Doninha procurou acalmá-lo e ponderou:

– Zé, larga os cachorros que tu nada tens a ver com essa briga, ainda mais a esta hora.
O marido, entre nervoso e zombeteiro, retrucou:

– Tu não sabes, mulher, que cachorro não gosta de gato?

Então... Se fosse briga de raposas, tu, que és Pinto, estarias tão inquieta quanto eu estou.


GASOSA DE ANANÁS
José Henrique Nogueira de Carvalho

Era meio-dia. Do outro lado da praça tudo tremia pelo efeito da evaporação. Sol a pino, ar parado, clima abafado, mormaço sufocante, tudo isso sinalizava para a chuva que cairia mais tarde. A transpirar por todos os poros, Ozimo de Carvalho, dono da Farmácia Brasil, após resolver assuntos tributários na Coletoria, retornava a seu estabelecimento, situado no cruzamento das ruas Cônego Hemetério e Antônio Lopes, o chamado Canto Grande.

Na esquina da Rua Grande com São Sebastião, montarias seladas e suando em bicas, em frente à Casa Nova, de Jorge Duailibe, aguardavam por seus donos, que concluíam negócios, no interior da loja. Em frente, a quitanda de Gegê foi o oásis avistado por Seu
Ozimo no meio daquele deserto onde as miragens lhe acenavam com o refrigério de um delicioso refresco de tuturubá. Entrou sedento, retirou o chapéu de feltro, abanou-se e pediu um gelado para rebater a canícula. Naquela época, não havia, ainda, os sofisticados refrigerantes fabricados com xaropes de essências artificiais, diets, lights e outras gororobas perfumadas, coloridas e gaseificadas, que viciam a sociedade de consumo.

Os sucos se extraíam de frutas naturais, gostosas, fresquinhas e vitaminosas que, na falta de liquidificador, eram cuidadosamente amassadas a mão, antes lavadas ambas com sabão a fim de se preservar o nível ideal de higiene. Na falta do apetitoso sapotáceo, o freguês agradeceu e dispensou a gasosa feita de casca de ananás que o balconista, gentilmente, lhe oferecera em substituição, apesar de gelada num refrigerador Gelomatic, a querosene. Aos olhos ávidos, parecia ser uma delícia! Aliás, dizem que a bebida resfriada nesse sistema de energia fica mais saborosa.

Pois, bem: Zé Gato não perdeu tempo e aproveitou a oportunidade para pregar uma peça no respeitável farmacêutico. Pediu-lhe que indicasse a ele um remédio caseiro para sarar algumas perebas que, de vez em quando, aparecem em suas mãos. E explicou
brincalhão:

– É que quando eu vou amassar tamarindo ou outra fruta ácida para fazer o refresco, eu sinto um ardume danado entre os dedos.


GATOS NO BAILE
José Henrique Nogueira de Carvalho

Antigamente, a religiosidade católica estava muito presente na família vianense. Era a ação pastoral, a austeridade com que os sacerdotes conduziam o rebanho, qual pastor, de cajado disciplinar em punho, de maneira a transmitir confiança nas palavras dos Evangelhos. A juventude masculina se empolgava com as coisas da Igreja, envolvida pelo ar misterioso das celebrações litúrgicas. Pelo olho clínico de Padre Manuel Arouche, jovens eram selecionados e encaminhados ao Seminário Santo Antônio, em São Luís, em número de candidatos que superava o das demais paróquias da região.

O vianense, entretanto, tinha simpatia também pelas festas profanas. Havia, porém, na cidade, uma certa segregação entre classes sociais. No período momesco, por exemplo, realizavam-se bailes para todos os gostos. Havia os de brancos, os de pretos, os de caboclinhas e, até, os de raparigas, estas conhecidas como gatos. Essa divisão estratégica de cordial convívio entre os cidadãos, vinha de antanho e a ninguém causava constrangimento.

Todos cumpriam, tacitamente, aquele pacto social e se entendiam na mais perfeita harmonia. Em um certo carnaval de seu tempo, Zé Gato juntou-se a João
– seu irmão de mesmo apelido – e ousou aprontar uma presepada no clube da fina flor da sociedade. Ambos adentraram o salão e ficaram espectando os animados foliões a ziguezaguearem em cordões, seguros nas cadeiras de cada qual a sua frente. A cada circunvolução, chuvas de confete caíam como flocos de neve irisada sobre a animação de moças e rapazes. Os arremessos de serpentinas coloridas disputavam com os jatos refrescantes de lança-perfume, os alvos colos refulgentes de purpurina e suor. Em dado momento Zé Gato aproximou-se do presidente do clube e destilou-lhe o veneno ao pé do ouvido:

– Nhozinho, dois gatos entraram no salão.

Foi o bastante para o presidente mobilizar, à surdina, os outros diretores de plantão e pô-los à procura das intrusas. Após meia hora, o dirigente do clube volta para se certificar com o informante sobre a veracidade do que lhe confidenciara.

– Sim, Nhozinho. Os dois gatos ainda estão no salão, confirma o denunciante.

A procura continua insana, porém, discreta para que ninguém percebesse o que estava ocorrendo. A presença de prostitutas ali significaria o fim da festa com a retirada da elite. A conseqüência aterradora para eles seria a sumária destituição de toda a diretoria.

Inconformado com a afirmativa de José, o presidente insiste na pergunta, pela última vez, e ouve a resposta:

– Sim. Tem dois gatos na festa: eu e João.


Prefácio do livro Zé Gato - o humorista vianense, de José Henrique Nogueira de Carvalho

“Tomara que não chova porque não sei nadar”

Apresentando este e vários outros repentes do conhecido improvisador Zé Gato – José Manoel da Silva, meu irmão, o caçula dos sete filhos do casal Francisco da Silva Sobrinho e Maria Furtado da Silva, caprichosamente catalogados nas páginas deste livro “Zé Gato, O Humorista Vianense”, traz o seu autor, José Henrique Nogueira de Carvalho, ao conhecimento ou lembrança dos leitores o vasto repertório de piadas do citado repentista.

Com a conhecida capacidade que possui e os patentes recursos de que dispõe, como consagrado homem de letras, José Henrique não se limitou a provocar hilaridade com as piadas de Zé Gato, quis ainda o notável escritor proporcionar aos leitores conhecimento de casos que, de certo, os vão interessar e, a meu ver, merecem mesmo ser conhecidos, como aconteceu comigo:

– Lendo o “Gato na Chuva” na página 97, tomei conhecimento de que a famosa marcha carnavalesca “Tomara que chova três dias sem parar” e o gostoso samba “Lata d’água na cabeça” que sacudiram e sacodem ainda, quando executados, os salões de baile em nossa cidade e em todo o Brasil, tiveram a sua matriz no Rio de Janeiro por ocasião de uma grave crise de falta d’água numa região daquela cidade.

E continuando a leitura vim saber que o maranhense que deu o seu nome ao velho estádio Nhozinho Santos em São Luís foi quem trouxe da Inglaterra para o Maranhão o primeiro automóvel impulsionado a gasolina.

Fatos como esses encontram-se registrados nas 200 páginas deste livro, dando oportunidade de serem conhecidos ou lembrados episódios que, no passado, ocorreram em Viana, no nosso país e até fora dele, como é o caso do célebre orador Demóstenes, na velha e longínqua Grécia.

Vale a pena ler “Zé Gato, O Humorista Vianense”, que, estou certo, não será a última produção literária do imortal José Henrique, a quem felicito pelo êxito deste seu trabalho e agradeço ab imo corde pela honra de seu convite para compor estas mal traçadas linhas que, segundo o seu parecer, poderão servir como prefácio.

Viana-MA, agosto de 2007
Padre Eider Furtado da Silva
(Da Academia Vianense de Letras)
www.livropronto.com.br/config/imagens_conteudo/degustacao/degustacaoZeGato.pdf

Autor(a): José Henrique Nogueira de Carvalho



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