sexta-feira, 15 de novembro de 2013

“Quem não pode com o pote não pega na rodilha!”

Um conto sobre a falta d´água em Viana.

Apesar do majestoso Lago Maracu que tanto nos encanta no período invernoso, com uma lâmina d' água a perder de vista, a falta do líquido precioso sempre foi um problema crônico no município.

Lembro que ainda na adolescência umas das minhas principais atribuições, contra a minha vontade, diga-se, era acompanhar a “vó Dondona” e “vô Zézé” até o conhecido poço do Ciloura, no bairro do mesmo nome, onde o mesmo se encontrava e podia ser alcançado em menor distância, quando as águas baixavam no campo.

O líquido era disputado quase a tapas, tanto pela comunidade, assim como pelos vendedores que abarrotavam os jumentos, burros, cavalos e carros de mão, com latas, potes e tonéis para vender pela cidade para quem podia pagar. Geralmente o poço secava e tínhamos que esperar por horas e horas brotar o líquido das suas profundezas.

Para chegar ao local, saíamos do bairro da Matriz e tínhamos que atravessar um estreito caminho, passando pela Gruguéia (área de pescadores), entre o algodoal e árvores de araríbas, muito fartas naquela época.

Minha avó levava o seu pote preferido, acompanhado da rodilha, um pano enrolado que ficava entre a cabeça e a carga. Vê-la com o pote cheio equilibrado na cabeça, sem usar as mãos, nos deixava fascinados.

Já o meu avô, se valia de uma velha lata do querosene Jacaré, conseguido em das quitandas que vendiam o combustível a retalho, colocado por meio de funis nos invólucros, para só depois abastecerem as lamparinas das casas onde não havia energia elétrica.

Minha irmã mais velha, Maria Rosa, o terceiro irmão, Zé Carlos e eu, cada um seguia com dois litros de conhaque vazios, que geralmente não voltavam inteiros da aventura, devido à distância e a fragilidade dos nossos braços. Broncas e mais broncas dos avós!

Mas, para não perder a viagem, eu levava algumas caixas de fósforos vazias, que serviam para capturar uns barulhentos besouros no matagal. Uma vez dentro das caixinhas, eu improvisava uma pequena antena de talo de pindoba e pronto: estava ali um intrigante e divertido radinho de ouvido.

Outra aventura inesquecível, quando o lago de Viana estava cheio, era pegar água de beber na Moizinha, um paraíso ecológico, situado às margens do lago, passando pelo hoje bairro Careca – que antes era uma área de banho -, e pela temida e profunda Enseada de Belo, onde aconteciam muitos acidentes, afogamentos e mortes com embarcações.

A peleja era feita por meio de uma canoa. Os amigos, Zé Raimundo Soeiro, Manoelzinho Soeiro, o Coroca, Batista e Cézar Soeiro, Nêgo Pará” e eu éramos os tripulantes da embarcação com cerca oito potes entre outros apetrechos para captar e acondicionar o cristalino líquido, o mais agradável para se beber naqueles tempos sem água potável.

Por ser o menor e mais novo da turma, me encarregava de secar a canoa com uma cuia (cabaça seca), enquanto eles se revezavam nos remos, dando velocidade e fazendo a maior algazarra rumo a Moizinha, que hoje virou o populoso bairro Mutirão em Viana. E, nem me perguntem o que foi feito daquele famoso poço.

Eu, em fase crescimento, já embarcava brocado de fome, no bairro da Matriz, e não via a hora de retornar com os potes cheios. Só então eles paravam a canoa entre os aguapés e capinzais que faziam parte da paisagem do lago, para a tão esperada hora: a da merenda.

Dona Socorro, viúva do senhor Manoel Soeiro, fazia umas deliciosas farofas de carne com ovos de galinha caipira, e que eram embaladas em latas de farinha Mucilon usadas. A iguaria era devorada em minutos e, em seguida chegávamos felizes às margens do lago, com o pequeno, mas valioso e significativo abastecimento de água semanal.

Mas nem tudo era alegria em meio a esse processo artesanal de obter água na cidade dos lagos. Muitas famílias eram tão humildes que sequer possuíam filtros, ou tinham noção de que era preciso ferver o líquido para se livrar das bactérias. A solução encontrada era literalmente do tempo dos nossos tataravôs, ou seja, á água era coada nos potes de cerâmica por meio de um tecido resistente, retendo apenas a sujeira natural e não os micróbios existentes. O resultado era o altíssimo grau de mortandade infantil, geralmente causado pela diarreia e a desnutrição.

Porque não explicavam que uma colher de açúcar e uma pitada de sal em um copo d´água filtrada viraria soro caseiro e salvaria muitas vidas infantis?

Eu mesmo, segundo conta minha mãe, dona Hermínia, antes de completar o primeiro ano de vida neste mundão sofrido, fui vitima dessa tragédia causada pela água contaminada da época.

Sem esperança, sem atendimento médico e só com a pele sobre os ossos devido à desnutrição, minha genitora não viu outra saída senão me batizar em casa, com a vela na mão, para não morrer pagão, como reza a tradição católica.

Para realizar a triste tarefa foram chamados de emergência, o saudoso padre Eider Furtado e a lendária professora Edith Nair Furtado da Silva – irmã do religioso - que, por conseguinte viraram meus padrinhos de batismo.

- Milagre, milagre! Estou vivinho da silva até os dias de hoje, quando Viana ainda sofre com o mesmo dilema da falta d' água.

E, se naqueles tempos da minha adolescência, a água mineral era um artigo de luxo, quase inexistente no comércio e nos lares vianenses, nos dias de escassez de hoje em dia que castigaram o nosso município durante uma semana, devido à quebra de umas bombas enferrujadas do nosso combalido sistema de captação, foi ironicamente a facilidade e a presença desse líquido engarrafado que salvou a situação.

Uma amiga se reclamou comigo, via celular, que fazia uma semana que os caracóis dos seus cabelos não passavam pelo chuveiro.

Eu, de gaiato e para não perder a cantada, além de uma palavra de conforto à bela jovem vianense, me saí com essa pérola: - “quem não pode com o pote não pega na rodilha”, mas se eu estivesse residindo ainda na minha cidade natal, lhe encomendaria um demorado banho de água mineral, perfumado com pétalas de rosas! Risos... 

Moral da história: perceberam como o desperdício de água faz muita falta? 

2 comentários:

Unknown disse...

Oi Luiz, lembro-me do tempo em que meus avós e meus pais adquiriam água potável daqueles vendedores que a transportavam em animais e infelizmente Viana ainda passa por esses problemas, incrível não? Lembras dos banhos no lago nos domingos e feriados e da festa da Assenção (as corridas daquelas canoas grandes e as lanchas que vinham de Penalva e Cajari, bonito não?)Espero que os novos administradores do município deem um basta nessa situação (falta de agua)e reviva essas festas bonitas de outrora. Abraços
Stelio

Luiz Antonio Morais disse...

Grato pela participação, grande Stélio. Muitos desses momentos ficaram somente nas nossas memórias, infelizmente. Mas estamos aqui para ver, viver e reviver tudo de bom que acontece e queremos que ainda aconteça em nossa Viana.
Abraço.