![]() |
Carlos Lacerda em 1967, 13 anos após o suicídio de Getulio
Vargas – Foto Folhapress
|
Se o vencedor de um debate televisivo é quem vende melhor
seu peixe, seja pescado fresco ou com odores suspeitos, Aécio Neves (PSDB)
levou o da Band, encerrado na madrugada de hoje.
Em matéria de conteúdo, Aécio também se destacou, contra sua
oponente Dilma Rousseff (PT). A questão é qual conteúdo.
A certa altura do entrevero, digo, debate, discorrendo sobre
a roubalheira na Petrobras, o tucano empregou a expressão “mar de lama''.
Além de imprópria, a começar pelo fato de que nem mesmo o
senador insinua que a presidente da República seja mão-leve, a fórmula “mar de
lama'' foi o mote de uma das mais sinistras conspirações golpistas da história
republicana do Brasil: a que levou ao suicídio do presidente constitucional
Getulio Vargas na manhã de 24 de agosto de 1954, horas depois de ser
virtualmente deposto.
E olha que sessenta anos atrás Getulio era acusado de ter
ordenado o atentado que resultou em ferimento a bala do jornalista de oposição
Carlos Lacerda e na morte do major-aviador Rubens Vaz. Jamais surgiram indícios
dignos de confiança sobre a participação de Vargas no plano contra o “Corvo'',
como os partidários do gaúcho desqualificavam Lacerda.
Em suma, “mar de lama'' evoca leviandade, mentira, desprezo
pela legalidade e aversão à democracia.
Apelar a tal expediente é mais grave no caso de Aécio, que
não é um mentecapto: o ministro da Justiça de Getulio Vargas, na quadra sombria
de 1954, era Tancredo Neves.
Ao contrário de muitos traíras, Tancredo batalhou até o fim
contra a turma que alardeava haver um “mar de lama'' de responsabilidade do
governo.
Em 1964, os golpistas que haviam recuado depois da morte de
Getulio voltaram à carga e derrubaram o presidente João Goulart num golpe de
Estado contra o Brasil. Qual era o mantra dos opositores de Jango? “Mar de
lama'', “mar de lama'', “mar de lama''…
Primeiro-ministro no arremedo de parlamentarismo improvisado
em 1961, com Goulart na Presidência, Tancredo Neves deixaria a função, mas
permaneceria político influente. Na virada de março para abril de 1964, ele
novamente desfraldou a bandeira da legalidade, contra o golpe. E contra a
pregação sobre o dito “mar de lama'', cujo porta-voz mais ruidoso era,
adivinha, Carlos Lacerda.
O constrangimento para Aécio não é a árvore genealógica.
Ninguém é obrigado a sair aos seus.
Mas o tucano não se cansa de mostrar na TV a convivência e a
parceria com o avô Tancredo.
Pelo visto, aprendeu pouco.
Hoje, o simpático mineiro que só subiu morto a rampa do
Planalto deve estar esperneando no túmulo, ao ver o neto, como um simulacro de
Lacerda, recorrer ao “mar de lama'' para ganhar a eleição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário