terça-feira, 29 de janeiro de 2013

N. Sra. da Conceição, padroeira de Viana, já foi fazendeira

Sebastião Furtado, lembranças

Por: Nonato Reis*

Dizem que uma andorinha só não faz verão. Sebastião da Silva Furtado, hoje com 80 anos, inverteu essa lógica. Numa época em que a lei que pairava sobre todos era a do chumbo, ele fez história. Deu as costas para o regime, elegeu-se vereador por dois mandatos, tornou-se presidente da Câmara Municipal e quase chega lá, como prefeito de Viana.

Aos 23 anos conheceu Ceciliana, menina de 16 anos, e com ela decide subir ao altar. Raptou a garota e a levou para a casa de um parente. À noite, o primo tentou colocar o casal em quartos separados. Sebastião reagiu. 'Eu não roubei mulher para dormir sozinho'. Pegou a moça e a levou para a casa dos pais dele, que, a contragosto, tiveram que 'engolir' a decisão do filho.

Teve que trabalhar duro com o pai na roça e na pequena criação de gado. Um dia o padre Manoel Arouche, vigário de Viana, chamou Antoninho Furtado, pai de Sebastião, e fez-lhe o convite. Queria que ele cuidasse do gado da Santa (sim, nessa época, Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Viana, era uma das maiores fazendeiras da região, com quase duas mil reses). Era um enorme desafio.

Antoninho chamou o filho e disse que só aceitaria a proposta, se ele o ajudasse. 'Pai, se outros toparam, porque é que se vai recusar? A gente encara e mostra que sabe fazer melhor'. Ganhou visibilidade. Em pouco tempo tornou-se presidente da Associação dos Criadores do Município.

Dom Hélio de Campos chegara a Viana para chefiar a diocese local, substituindo a Dom Hamleto de Angelis. De visão política progressista, líder por vocação, Dom Hélio percebeu o isolamento da cidade. A única ligação com São Luís era feita por via marítima, em lanchas que transportavam desde manufaturas a animais e gente. As viagens eram longas e perigosas.

Era preciso construir uma rodovia ligando Viana a Arari. O bispo deu início então a uma luta inglória, que o levaria diversas vezes a São Luís e Brasília, tentando convencer as autoridades a mandar fazer a obra. Mobilizou as entidades de classe e o povo.

Logo recebeu o apoio de Sebastião e do padre Eider Furtado, tio de Sebastião e adepto da Teoria da Libertação. 'A gente começou a entupir a mesa do ministro Mário Andreazza (Transportes) de telegramas, cobrando a licitação da estrada', conta Sebastião.

Dom Hélio encontrou-se com José Sarney e pediu-lhe apoio, que o negou de pronto. 'Sarney disse que o projeto não era viável, que a Baixada era uma região pobre'. Dom Hélio desconfiava que o motivo era o fato de Sarney não ter sido o mentor da ideia. Mas o bispo não desistiu; percorreu a esplanada dos ministérios, solicitou audiências. Em São Luís, conversou com o governador da época, que também deu de ombros. A luta prosseguiu até que o Estado, vencido, decidiu abrir licitação e assinar a ordem de serviço.

À frente de uma comissão, Sebastião Furtado veio a São Luís assistir ao desfecho do processo licitatório no DER/MA. O grupo se alojou no Seminário Santo Antônio, onde confeccionaram faixas e cartazes. Na volta a Viana, encontraram a cidade em festa. Uma multidão retirou Sebastião do ônibus e o carregou nos braços, agradecida. 'Foi uma emoção enorme. Jamais esqueci'.

Vieram as eleições de 1972. Dom Hélio o chamou para comunicar que ele seria o candidato da Igreja e dos trabalhadores rurais à Câmara Municipal. A igreja jamais se envolveu abertamente na campanha, mas ele recebeu o apoio em massa do sindicato de trabalhadores rurais e, concorrendo pelo MDB, elegeu-se único vereador de oposição.

Começava a sua jornada solitária da água contra o rochedo. Combateu a gestão de Walber Duailibe do começo ao fim. Na Câmara, que tinha 9 vereadores, o placar a favor do prefeito era vergonhoso: 8 a 1. Mesmo assim, articulou e conseguiu o cargo de secretário-geral da Mesa, que na hierarquia do parlamento é o segundo em importância.

Logo restabeleceu a dignidade da Câmara, ao transferir a sede do Parlamento, alojada no prédio da prefeitura, para outro imóvel. 'Era um absurdo a Câmara funcionar ao lado do gabinete do prefeito, como um biombo'.

Apresentou projetos para a construção de escolas em duas localidades. A Câmara rejeitou. Sebastião não se deu por vencido. Fez reuniões com as comunidades beneficiadas pelos projetos e, em sistema de mutirão, ergueu as duas escolas em barro e palhas de babaçu. Os salários dos professores ele pagava com recursos próprios. À época, os vereadores não possuíam remuneração.

Em 1976 concorreu à reeleição e ganhou. Na montagem da Mesa Diretora, aplicou um golpe de mestre. Dois grupos com igual número de vereadores disputavam a presidência, um ligado ao prefeito eleito e o outro do candidato derrotado. Para qualquer lado que pendesse, levaria a eleição. Na última hora o prefeito o procurou e aceitou que figurasse na cabeça da chapa. Tornou-se assim presidente da Câmara, sem pertencer a grupo algum.

Em 1982, lançou-se candidato a prefeito, enfrentando duas forças exponenciais. 'Perdi porque não tinha apoio político nem poder econômico, mas o povo me apoiou'. Deixou a política e foi cuidar da vida. No dia 20 de janeiro último completou 80 anos. Comemorou ao lado da família e dos amigos. Eu quis saber o que passa pela cabeça de quem chega a essa idade, lúcido e admirado. 'Dá vontade de ser eterno, de gozar a vida e jamais morrer'. A história tem a capacidade de imortalizar seus personagens.



*Nonato Reis é jornalista e escreve para o Jornal Pequeno aos domingos - Data de Publicação: 27 de janeiro de 2013
Fonte: Jornal Pequeno

Um comentário:

furtado's disse...

Obrigado por postar esse texto referente a vida do meu avô, pois foi um segunda pai para mim e é com orgulho que vejo tal homenagem.

Rômulo Borges Furtado