Teve ares de tragicomédia a manifestação de sábado (1º) na
avenida Paulista, em São Paulo. Seus objetivos democráticos foram resumidos nas
faixas exibidas. "Impugnação ou intervenção militar"; "A maior
fraude da história"; "Impeachment já". Hoje transformado em
cordeiro devidamente emasculado, um artista exigia aos brados uma recontagem de
votos. Que o ato tenha ocorrido na véspera do Dia de Finados compõe uma
daquelas coincidências autoexplicativas.
Assiste-se a um espetáculo curioso desde a eleição. É como
se Dilma Rousseff não tivesse ganho. Na ausência de votos, setores da oposição
parecem levar a sério o mantra de Carlos Lacerda, transformado em estribilho
pelas viúvas do golpismo. O político sugestivamente apelidado de corvo dizia
mais ou menos isso a adversários: "Não pode ser candidato; se for
candidato, não pode se eleger; se for eleito, não pode tomar posse; se tomar
posse, não pode governar".
Descontada a falta de originalidade –nada como o passado quatro
estrelas–, a coreografia dos derrotados é sugestiva. O pedido de recontagem de
votos feito pelo PSDB nem sequer merece comentários. Demonstrassem os tucanos
tanta celeridade para investigar seus próprios e verdadeiros esqueletos,
certamente o país já estaria melhor.
A outra "novidade" é a articulação para desencavar
uma emenda estacionada na Câmara desde 2006 sobre a aposentadoria de ministros
do Supremo Tribunal Federal, a "PEC da bengala". Pela regra atual, a
idade limite para o cargo é de 70 anos. Feitas as contas, de repente, não mais
que de repente (com oito anos de atraso!), a oposição "descobriu" que
o governo Dilma terá a chance de nomear cinco novos ministros da corte.
Ponha-se de lado a acusação implícita de que o Planalto
pretende domesticar o Judiciário. Isso seria baixaria, e a turma fraca de urna
é incapaz de crítica tão vil... Esqueça-se também que o Supremo protagonizou no
dito mensalão episódios de envergonhar figuras como Sobral Pinto e mesmo
Tancredo Neves, caso ainda vivos. Detalhe: vários ministros indicados pelo
próprio governo petista endossaram condenações de réus na AP 470.
Fica evidente a vontade de fatias oposicionistas de achar
qualquer atalho para concretizar o rito lacerdista. Sorte que vivemos outra
conjuntura, o povo não é bobo e falta aos candidatos a golpista alguém com a
esperteza de um Lacerda. Por mais que tente ocupar espaço parecido e vender
gato por lebre, Aécio Neves sai como um dos grandes perdedores. Derrotado em
seus dois estados do coração –Minas Gerais e Rio, não necessariamente nesta
ordem– e humilhado mesmo em Pernambuco de Eduardo Campos, foi salvo de um
vexame maior, olha só, pelo volume morto de Alckmin. Num partido de caciques
emplumados, é fácil enxergar quem triunfou na oposição.
Em benefício da dúvida, recomenda-se esperar a poeira baixar
antes de prognósticos definitivos. O novo mandato de Dilma Rousseff promete uma
luta ainda mais renhida pelo poder. A seu favor, o PT tem a vitória
indiscutível nas urnas e uma série de realizações no campo social. Contra o
partido, há as dificuldades econômicas reconhecidas por todos, um Congresso
sempre cheio de surpresas e fraturas internas que cobram uma dedetização
profunda baseada na Justiça. Nada impossível de superar, bem entendido. Desde
que a luz do dia ilumine as sombras de negociatas com as elites de plantão.
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ricardo melo
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