quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Seguro indefeso

Editorial – Folha São Paulo 

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fez graça na semana passada com o seguro-defeso, ao comentar o Orçamento com deficit encaminhado ao Congresso. Mas a "multiplicação de pescadores" de que falou, exemplo flagrante de desperdício de recursos públicos disfarçado de benefício social, é de chorar –e nada tem de milagrosa.

Esse auxílio-desemprego socorre pescadores artesanais impedidos de manter a ocupação principal no período reservado para reposição de estoques de pescado na natureza. O benefício, justificável, monta a um salário mínimo.

O crescimento vertiginoso dos desembolsos, porém, começou a cheirar mal. Década e meia atrás, o defeso representava 0,7% dos dispêndios do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) com seguro-desemprego; no primeiro semestre deste 2015, ultrapassou 11% e fisgou R$ 2,2 bilhões.

Um tsunami de novos pedidos se ergueu nos primeiros seis meses do ano. Houve 491,3 mil deles, segundo o jornal "Valor Econômico". Um acréscimo de 25%, que faria da pesca a atividade que mais cresceu na crise que devasta o país.

Em realidade, há fortes indícios de que o incremento se deu em fraudes, não em pescarias. Pelo Censo de 2010, não haveria no país mais que 275,1 mil pescadores artesanais. O número de solicitações é quase o dobro dos trabalhadores aptos a requerer o benefício.

A maré montante do defeso se sustenta com o afrouxamento das regras iniciado em 2003. No primeiro ano do governo Lula, reduziu-se de 36 para 12 meses o tempo de profissão requerido para reclamar o seguro. Tempos depois suspendeu-se a exigência de atestado pela respectiva colônia de pesca.

Através da malha alargada nessa rede de facilidades entraram lambaris e tubarões. Levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU) constatou, em novembro de 2014, a concessão de seguro-defeso até para funcionários públicos e pessoas mortas. Verificou-se, ainda, que as requisições se tornam mais frequentes em anos pares, quando são realizadas eleições –indicação forte de clientelismo.

O arrastão deverá minguar com a decisão tomada em abril de transferir a habilitação de beneficiários das superintendências regionais de trabalho para o INSS. Uma simples troca de informações entre ministérios (Trabalho e Pesca) também pode contribuir para depurar esse cadastro deteriorado.

O problema não é, nunca foi, a própria noção de benefícios sociais, mas seu abuso, perdulário e descontrolado, que rende óbvios dividendos eleitorais.

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