Guilherme Boulos – Folha Online
Chegamos ao momento mais grave da crise política do país.
Após Dilma chamar Lula ao ministério, Moro mandou vazar uma conversa grampeada
entre os dois. Com chamado midiático, o clima nas ruas é de convulsão.
Moro apostou alto. Ao grampear um telefonema envolvendo a
presidente da República e divulgar o áudio no momento politicamente mais
conveniente para os que querem derrubá-la, o juiz ultrapassou a linha vermelha.
Tirou definitivamente a toga e assumiu sua condição de militante político.
Foi para o "vai ou racha". Era o sinal que
faltava. Sua decisão levou alguns milhares às ruas, exigindo a renúncia da
presidente. Foram registrados conflitos em várias cidades. Em alguns lugares,
linchamentos.
Um ciclista foi agredido na avenida Paulista por ter
"cara de petista" e bicicleta vermelha. Uma mulher levou um soco na
mesma avenida por recusar-se a gritar pela prisão de Lula. Episódios de
intolerância como esses espalham-se pelo país.
CAMINHO SEM VOLTA
O caminho escolhido pelos que querem derrubar o governo é
perigoso. Não se tira pitbulls das ruas com a mesma facilidade com que se os
insufla. Propagar ódio com tal intensidade pode ser um caminho sem volta.
Quem pensa que é só contra os petistas se engana. Agora há
pouco, o secretário de Segurança de Alckmin, Alexandre de Moraes, foi
escorraçado da avenida Paulista por tentar liberar a faixa de ônibus.
O clima criado por essas manifestações não admite nenhum
tipo de contestação. Nem mesmo em relação a uma faixa de avenida. Quanto mais
em relação ao mérito. O feitiço poderá virar contra o feiticeiro.
A oposição partidária de direita parece que ainda não
assimilou as consequências da vaia de domingo. Acha que vai surfar nessa onda.
Pode até ser, mas não é pequeno o risco de ser afogada por ela.
A velha direita não seduz a multidão que ajudou a insuflar.
As manifestações querem um salvador, um justiceiro de pulso, que –em nome do
"bem"– está liberado para violar a Constituição, desrespeitar
garantias individuais e "botar ordem na casa". Por isso gostam tanto
de Sérgio Moro, por isso alguns exaltam Bolsonaro.
O que é mais chocante nisso tudo é a passividade do STF. Um
juiz de primeira instância faz o que quer, adota medidas de exceção como regra,
grampeia a presidente e não há reação.
Quando em 2008 o então presidente do Supremo, Gilmar Mendes,
acreditou ter sido grampeado, acusou o "estado policial". Lula,
presidente à época, demitiu o diretor-geral da PF. O atual silêncio do STF é
ensurdecedor.
O QUE ESTÁ EM JOGO
É preciso compreender o que está em jogo nesses dias
tumultuados. Não se trata nem de defender o governo Dilma e muito menos de
brecar as investigações de corrupção.
Dilma decidiu por aplicar o programa derrotado nas urnas e
encampar retrocessos em relação às políticas sociais, acreditando que atrairia
o mercado. Conseguiu desagradar a todos e, com isso, criou a base social para o
golpismo. Paga o preço de suas escolhas.
Em relação às investigações, devem ser levadas adiante. Mas
uma investigação que assegure as garantias constitucionais e que não escolha
alvos politicamente. Sem linchamento, sem seletividade.
O que está em jogo é deter uma ofensiva odiosa, que impõe o
pensamento único e métodos de intolerância.
O clima construído nas ruas é de caça às bruxas e não apenas
contra o petismo. É contra a bicicleta vermelha, a "cara de petista"
e a recusa em entoar seus gritos. Representa um risco real a liberdades democráticas.
Aos que insuflam esta situação é sempre bom lembrar o
destino de Carlos Lacerda após o golpe de 1964. Quem aposta na tática
incendiária tem sempre o risco de ver o fogo sair do controle.
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