segunda-feira, 6 de junho de 2016

Estado paralelo do tráfico no Rio tem códigos próprios para estupro

Do Jornal O Extra
Ex-traficantes comentam rotina de favelas Foto: Rafael Moraes
Pedro Zuazo
Nota: palavras chulas e palavrões foram mantidos no texto, porque são termos que ajudam na compreensão da mensagem.

Em áreas dominadas pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro, o conceito de estupro é diferente do descrito pelo Código Penal. Para investigar esse mundo paralelo, o EXTRA ouviu três ex-traficantes de comunidades dos complexos da Maré e do Alemão. Um deles resumiu a visão do que aconteceu com a jovem X., num fim de semana, no Morro do Barão, na Zona Oeste: “Pela lei dos homens é estupro. Pela lei do crime é sacanagem”.

A visão bandida encoberta o crime, justifica o criminoso e despreza a vítima, que é nivelada ao patamar de quem comete o abuso. Nesta visão distorcida, não é uma relação entre abusada e abusador. “É puto com puta”, resume um dos ex-traficantes.

O caso de X. relevou que a visão dos bandidos é absorvida pelas vítimas de violência, tanto que a jovem era estuprada desde os 12 anos e só se deu conta da violência com a divulgação do vídeo.

Conceito de estupro

“Na comunidade, estupro é pegar a mulher à força, sem consentimento. Esse tipo de coisa, nenhuma facção admite. O tráfico também tem sua ética. Estupro dá morte. Um cara pode até esculachar uma mulher se ela começa a se envolver com outra facção, mas, ainda assim, é melhor matar do que estuprar. O fato de ser menor de idade não tem nada a ver. Na favela tem um monte de meninas com 13, 14 anos dando porque quer. Elas buscam putaria. Pela lei dos homens é crime, mas para o tráfico é sacanagem”.

Sob efeito de drogas

“Dizem que foi estupro porque X. estava doidona, não estava em sã consciência. Se fosse assim, um cara que estivesse doidão de crack e desse um tiro de alguém poderia dizer que não estava consciente e não poderia ser punido”.

Vídeo com vítima

“É esculacho fazer aquele vídeo zoando a menina enquanto ela dorme, mas tem que pensar na orgia que aconteceu ali. Você tá na sacanagem, tira uma foto, encosta o dedo lá… Para quem está de fora, eles deram mancada. Mas ali, na hora da sacanagem, é puta com puto”.

Orgias na favela

“É comum ter putaria na favela. E tá cheio de menina de classe média e alta que vai lá para usar drogas e transar. É um status estar perto do traficante. Tudo o que o pai proíbe, ela faz. Cheira, fuma, conhece um cara da boca e daqui a pouco está na casa dele. Essas vão para usar drogas e se divertir. Mas tem também as que vão para ganhar dinheiro, e saem com a bolsa cheia. É orgia com 30, 40, 50 pessoas, e sempre regada de muito uísque”.

O abatedouro

“Toda favela tem um lugar assim. O da Barão estava até meio feio. Tem uns que têm suíte com o teto espelhado, outros põem até aquele poste de pole dance. Vai de acordo com o poder aquisitivo do patrão. Aí você está no baile com uma menina, pede a chave do lugar e vai para lá. Assim que um sai, entra outro. É normal”.

As novinhas


“Sempre teve novinha, mas antigamente, nos anos 80 e 90, era muito menos. Até porque o baile não era assim. Começava com charme e tinha aquele momento de música lenta para só depois tocar funk melody. Agora, é putaria do começo ao fim. Você vê uma mãe botando a filha de 5 anos para ouvir funk e achando graça de ver ela rebolando até o chão. Nos anos 80, não tinha menor no baile e nem na boca. Essa geração nova de traficantes deixa isso rolar solto”.

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