terça-feira, 26 de março de 2013

Filósofos questionam a supervalorização do amor romântico

JULIANA CUNHA - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA 

O amor está longe de ser a solução para o fim do sofrimento humano. Pelo menos aquele amor romântico de filmes e novelas. 

Quem defende essa ideia é o filósofo Simon May, professor do King's College, em Londres, e autor de "Amor - Uma História", lançado aqui no fim do ano passado.

Para ele, o sentimento está supervalorizado: ocupou o espaço deixado pela religião e se tornou o novo deus do Ocidente. 

"Somos todos fanáticos. Exigimos que nosso sentimento seja eterno e incondicional e camuflamos sua natureza condicional e efêmera. É a mais nova tentativa humana de roubar um poder divino", disse, em entrevista à Folha.

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De acordo com o filósofo, a religião do amor incondicional é reforçada pela cultura. Ele cita filmes em que um dos personagens não quer saber de namorar e só pensa na carreira. No final, ele sempre descobre que sem uma paixão sua vida não será completa.

Tanta pressão em cima de um sentimento frágil e humano, para o autor, termina em frustração coletiva. "Nada humano é verdadeiramente incondicional, eterno e completamente bom. Essa é uma forma de amor que só Deus pode ter. Esse entendimento gera expectativas altas, que relacionamentos cotidianos não são capazes de suprir." 

O mesmo defende o filósofo alemão Richard David Precht, autor de "Amor - Um Sentimento Desordenado". "O papel de nos aceitar por inteiro, com todos os nossos defeitos e limitações, cabia a Deus. Hoje buscamos alguém que possa cumprir essa função e ainda dormir conosco. É realmente pedir demais", diz. 

ROMANTISMO 

No livro, Simon May traça um histórico das diferentes concepções de amor ao longo da história e atribui ao romantismo do século 19 a culpa pela supervalorização do sentimento.

Segundo ele, desde então, enquanto a sociedade mudou, a idealização do sentimento continua como no passado. Inovações como a liberação sexual, a pílula e a luta pelos direitos dos gays só possibilitaram que mais pessoas passassem a perseguir o amor ideal ao incluir homossexuais e divorciados no jogo.

A psicanalista Regina Navarro Lins também pesquisou a história do sentimento, mas chegou a uma conclusão diferente. "O amor romântico está com os dias contados. Domina filmes e novelas, mas está saindo de cena na vida real", afirma ela, que em 2012 publicou "O Livro do Amor", obra em dois volumes.

Para a psicanalista, o futuro aponta para o "poliamor" e para formas menos convencionais que o casamento. "As pessoas estão mais individualistas, buscam sua própria satisfação. Isso irrita os conservadores, mas aumenta as chances de cada um ser feliz", diz.

Navarro Lins, no entanto, concorda com Simon May ao considerar o amor romântico irreal. "Você conhece uma pessoa, atribui a ela características que ela não possui e passa a vida infernizando a criatura, querendo que ela seja como você imaginou", diz a psicanalista.

A troca de exigências gera um "rancor matrimonial", uma sensação de que o parceiro nos enganou ao não cumprir nossas expectativas.

Simon May não acredita que a solução seja dar menos importância ao sentimento, mas rever os conceitos. "Precisamos mudar nossas expectativas, não reduzi-las. É preciso abandonar a ideia de que amor implica em intimidade incondicional, benevolência e altruísmo. Para mim, amor é algo completamente condicional. Ele só existe enquanto a outra pessoa parece dar sentido à nossa existência."

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